No trabalho como coloproctologista, é possível perceber algo muito curioso e que já foi abordado em estudos científicos: o paciente com doenças intestinais sente mais medo de ficar com uma colostomia do que da morte.
O receio da colostomia foi observado em estudos que avaliaram a qualidade de vida de pacientes submetidos à cirurgia de intestino. Na pesquisa, os indivíduos se posicionaram de forma importante:
78% dos pacientes responderam que um dos fatores mais importantes era não ficar com um estoma (orifício no intestino) permanente;
76% consideravam o fato de ficar curado da doença algo significativo.
Realmente, com porcentagens tão próximas, não é possível inferir que os indivíduos se preocupavam mais em não ficar com estoma permanente. Mas podemos concluir que a colostomia representa um impacto para as pessoas quando se fala de cirurgia de intestino.
Então, como a criação de um desvio no trânsito do intestino é muito importante na vida dos pacientes, está na hora de falar sobre esse assunto. Acompanhe!
O que é a colostomia?
Antes de tudo, é preciso entender que a ostomia é a abertura de um órgão oco – sem massa, “não preenchido” –, fazendo com que comunique com o meio externo.
Ou seja, no caso do sistema digestório, a colostomia é a exteriorização de parte do trato intestinal, por meio de um desvio do trânsito normal de onde passam os resíduos – ou melhor, as fezes. Em outras palavras, é uma abertura no abdômen para o intestino.
História da colostomia
Não se sabe ao certo quando a primeira colostomia foi realizada, mas existem relatos na história antiga, inclusive com referências bíblicas. A partir do século XVIII, esses relatos se tornaram mais frequentes.
Mas o grande avanço com relação à padronização dos procedimentos veio no final dos anos 1800. Já a era moderna das ostomias é considerada após a segunda grande guerra.
Conhecer a história é muito importante, principalmente no caso das cirurgias de intestino. Isso porque estamos falando do avanço do conhecimento científico, da melhora da técnica e de materiais cirúrgicos, bem como do advento de drogas antimicrobianas.
Hoje, a necessidade de confecção de um estoma costuma ser muito menor do que há quinze anos, e infinitamente menor do que há 50 anos.
Por que a história da ostomia importa?
No caso das cirurgias intestinais, o maior medo dos cirurgiões sempre foi o risco de complicações. Por se tratar de um orgão naturalmente povoado por micro-organismos (microbiota), as chances de infecções sempre são consideradas em qualquer procedimento.
O médico sempre precisou estar muito atendo a isso, considerando que, quando uma complicação ocorre, a chance de mortalidade e de sequelas permanentes é real. Em outras palavras, o cirurgião que trabalha com o trato gastrointestinal deve sempre ter em mente o risco de complicações e tudo que pode ser feito para minimizá-las.
Quando a técnica cirúrgica era pouco desenvolvida, pouco conhecida e havia poucos medicamentos, era tentador optar pela alternativa de desviar o trânsito intestinal.
Por outro lado, hoje em dia, em centros especializados, menos de 1% das cirurgias eletivas (programadas) tem necessidade de ostomias. E, na maioria dos casos, poderão ser revertidas posteriormente.
Como é viver com colostomia
Em mais de 18 anos de prática clínica, pude observar que a ideia do desvio do trânsito intestinal é muito pior do que a realidade vivida pelo paciente. Muitos imaginam a saída de fezes através da parede abdominal, bolsa de colostomia visível e mau cheiro sentido por todos à sua volta.
As questões psicológicas são relevantes. Mas é importante destacar que, superado lado emocional, a vida do ostomizado é a mesma de um paciente sem ostomia. A pessoa com uma colostomia pode sair, praticar esportes, trabalhar, se relacionar etc. Basta apenas observar alguns cuidados para evitar contratempos.
Acompanhamento psicológico
Por isso, é importante contar com uma equipe multidisciplinar, principalmente quando, no decorrer do tratamento, o médico já prevê a necessidade do desvio do trânsito. O acompanhamento de um psicólogo e de um profissional de enfermagem especializado fará toda a diferença para evitar impactos na vida social.
O paciente precisa compreender a mudança da sua autoimagem corporal – seja ela temporária ou não – e saber que se conhecer cada vez, com ajuda dos profissionais, pois isso irá ajudá-lo a ter maior controle do desvio da saída das fezes.
Indicações para a colostomia
Os estomas, ou melhor, a colostomia tem uma função protetora e é feita apenas conforme critérios específicos. Na maioria dos procedimentos, não há necessidade de desvio do trânsito, somente naquelas situações exigem uma proteção.
Isto é, não faz sentido ter medo de ir ao coloproctologista por causa de uma possível bolsa de colostomia.
De toda forma, saiba a seguir de algumas das indicações para a ostomia.
Ressecções do reto muito próximas ao ânus
Em alguns casos, o cirurgião precisa remover a parte final do intestino (reto) e fazer uma emenda muito próxima ao ânus (com maior risco de abertura dos pontos), principalmente no caso de tratamento de tumores malignos.
Por causa disso, o médico pode optar pela realização de um desvio no trânsito intestinal, para que o risco de complicações seja diminuído.
Complicações cirúrgicas intestinais
Sempre que há uma emenda (“pontos”) no intestino, há o risco de que a cicatrização não ocorra de maneira adequada e, assim, extravasamento (vazamento) de resíduos para a cavidade abdominal. Chamamos isso de fístula e, nesse caso, há vazamento de conteúdo intestinal e contaminação bacteriana da cavidade (peritonite).
Isso pode acontecer ainda que o cirurgião seja cuidadoso e utilize técnicas e materiais modernos.
Quando a contaminação exige uma nova operação, isso significa que o paciente apresenta um quadro grave ou um extravasamento ativo. Com isso, poderá haver a necessidade de confecção de uma ostomia para cessar a contaminação de forma mais rápida, assim como a recuperação e a cicatrização adequada do paciente.
Urgências abdominais intestinais
Pode ser necessário confeccionar uma colostomia em casos de traumatismo abdominal com lesões intestinais, torção de intestino, inflamações e tumores que podem, ao longo da enfermidade, perfurar o órgão.
Resumo sobre colostomia
É importante reforçar que, em condições normais, as cirurgias que envolvem o intestino raramente levam à realização de colostomias ou enterostomias.
Portanto, o que deve ficar na memória são as seguintes premissas sobre as ostomias:
São pouco necessárias atualmente;
São reversíveis, na maioria dos casos;
Permitem uma qualidade de vida excelente e ninguém precisa ficar sabendo (a não ser que o paciente queira contar);
Possibilitam independência, ou seja, o próprio paciente pode cuidar de sua ostomia;
Permitem que o paciente com ostomia seja feliz e com vida sexual normal.
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