Uma das dúvidas comuns no consultório de coloproctologia é se vale a pena usar toxina botulínica para fissura anal, em vez de cortar o esfíncter.
Desde que começamos os artigos deste blog, tenho tentado deixar bem claro a importância da musculatura pélvica e de sua proteção, principalmente no caso das mulheres.
Por isso, até arrepio quando vou falar de fissura anal (ferida que não cicatriza no ânus) e tenho que discutir sobre o tratamento cirúrgico clássico, que envolve a remoção da fibrose antiga e secção parcial da musculatura esfincteriana interna e sem controle voluntário.
Assim, antes de responder a questão proposta no título, vou fazer um raciocínio sobre essa cirurgia e os motivos pelos quais acredito que qualquer lesão intencional da musculatura esfincteriana deva ser evitada.
Cicatrização da fissura anal crônica
Como pudemos discutir nos nossos textos sobre fissura crônica, a cicatrização nesses casos é dificultada pelo círculo vicioso de uma ferida que não cicatriza. Considere essa sequência de acontecimentos:
Existe um machucado no canal anal
Portanto, de maneira inconsciente, ocorre uma hipercontratilidade da musculatura esfincteriana interna (involuntária)
Consequentemente, a pessoa não consegue evacuar de maneira completa
Assim, as fezes ficam endurecidas e machucam mais o ânus, realimentando todo o processo
Além disso, o espasmo da musculatura anal também faz com que a chegada de sangue à ferida seja reduzida, o que prejudica mais ainda a cicatrização da fissura.
Então, como tratar a fissura anal?
Desde muito tempo, o tratamento da fissura anal crônica, tanto clínico como cirúrgico, se baseia em:
Relaxamento da musculatura
Melhora da circulação sanguínea local
Diminuição da dor
Para isso, utilizamos pomadas, toxina botulínica e a cirurgia convencional com o corte controlado de parte da musculatura involuntária do ânus (a chamada esfincterotomia lateral interna).
Por que sou contra o corte do esfíncter na cirurgia
Os motivos pelos quais sempre fui contra esse tipo de corte na cirurgia são os seguintes:
1. Fissura anal é comum a jovens
A fissura anal é uma doença de jovens. Logo, são pacientes que, geralmente, ainda têm uma função de continência normal. Com o envelhecimento, por outro lado, há uma perda natural do controle, coordenação e contratilidade desses músculos, podendo fazer falta.
2. Chance de cicatrização é alta
Quando a fissura ainda é aguda (inicial), a chance de cicatrizar é alta, maior que 90%. Então, parte dos fatores que dificultam a cura está relacionada às cicatrizes endurecidas que vão se formando. Em outras palavras, o esfíncter não é o vilão.
Toxina botulínica para fissura anal é uma possibilidade
A discussão sobre outras formas de tratamento para fissura anal sem a esfincterotomia vem desde o início dos anos 2000. Inclusive a toxina botulínica está entre as possibilidades.
Isto é, estamos falando de uma associação do tratamento da fissura com a remoção daquelas cicatrizes fibróticas e a utilização de medicações relaxantes da musculatura anal que atuam de maneira temporária e reversível, diferentemente da secção do esfincter.
Será que isso teria a eficiência desejada na cura do problema e sem deixar sequelas?
Vários estudos publicados confirmaram que a resposta é sim. Podemos, sim, utilizar as medicações em vez de cortar músculos, com baixo risco de complicações e com nível semelhante de cicatrização que o método tradicional.
Por que outros tratamentos não são sempre usados
O problema que sempre impediu a estabilização desse tipo de tratamento é o tamanho da amostra de pacientes estudados. Como são poucos os indivíduos que chegam a necessitar de tratamento com cirurgia, fica difícil estudar grandes populações para uma comparação com resultado definitivo.
E quais medicamentos podemos utilizar em combinação com a cirurgia?
Basicamente, os mesmos que utilizamos no tratamento clínico das fissuras crônicas:
Cremes e pomadas relaxantes musculares locais, vasodilatadores
É melhor usar toxina botulínica ou cremes locais?
Não existe resposta definitiva, mas devemos raciocinar que estamos cuidando de uma pessoa em pós-operatório, com feridas em cicatrização na região do ânus. Então, aplicar uma pomada pode ser desconfortável e acabar por estimular a descontinuação do tratamento.
Já o uso da toxina botulínica é indolor, pois é feito durante a operação, enquanto o paciente ainda está anestesiado e mantém efeito por mais de dois meses, o que é conveniente. O problema é o preço e a indisponibilidade em todos os serviços.
Conclusão
Então, na opinião deste autor, considero vantajoso o uso da toxina botulínica durante a cirurgia de fissura naqueles pacientes com hipertonia do esfíncter interno, levando em conta os resultados do tratamento, transitoriedade do efeito medicamentoso, durabilidade e baixo risco.
Todavia, sempre devem ser consideradas as características de cada cliente, principalmente relacionados ao custo e disponibilidade.
Se quiserem maiores esclarecimentos, agendem avaliação na clínica ou entrem em contato pelo WhatsApp 31988742572.
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